A história sobre como surgiram as ONGs no Brasil tem início no século XVIII, momento histórico em que muitas organizações sem fins lucrativos e com forte cunho religioso, como as irmandades e as Santas Casas, iniciam suas atividades no país.
Resumo do artigo
- As primeiras organizações sem fins lucrativos surgiram no Brasil ainda no período colonial, com instituições religiosas e irmandades que prestavam assistência social.
- No século XX, durante o governo Vargas, aconteceu uma maior estruturação da assistência social pelo Estado, diminuindo o protagonismo das instituições sem fins lucrativos.
- Na década de 1970, com o regime militar, as organizações da sociedade civil tiveram dificuldades para atuar, com repressão aos movimentos sociais.
- Na década de 1980, com a redemocratização, houve uma efervescência dos movimentos sociais e o terceiro setor passou a crescer no país. A Constituição de 1988 foi um marco legal importante.
- Nos anos 1990, com o neoliberalismo, o terceiro setor teve um grande impulso, com o Estado reduzindo seu papel social e as ONGs assumindo serviços públicos.
- Nos anos 2000, o terceiro setor se consolida no Brasil com o surgimento de muitas associações, fundações e movimentos sociais atuando nas mais diversas causas. Novas legislações regulamentam o setor.
- Atualmente o terceiro setor conta com centenas de milhares de organizações em atividade no Brasil, empregando milhões de pessoas. Há desafios como profissionalização, sustentabilidade financeira e parcerias com o Estado.
Essas organizações tinham um forte caráter assistencialista derivado de crenças cristãs – como a promoção a caridade e ajuda ao próximo – e atuavam, principalmente, na área da saúde e no atendimento de necessidades de famílias em maior grau de vulnerabilidade social.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a primeira ONG constituída no Brasil foi a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, fundada em 1591 pelo Padre José de Anchieta com a proposta de oferecer atendimento médico para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Contexto de surgimento das primeiras ONGs no Brasil.
A história do terceiro setor no Brasil, responde como surgiram as ONGs no país.
As primeiras organizações sociais eram de cunho religioso, como as Santas Casas e estas nasceram em um contexto em que o Estado brasileiro ainda não tinha um papel ativo e propositivo no enfretamento das mazelas sociais que atingiam o pais.
Curiosamente, no século XVIII ainda não se tinha a compreensão de que o Estado brasileiro deveria atuar para reduzir a pobreza, os problemas de saúde pública e as questões que atingiam as populações de baixa renda.
Essa população não tinha programas assistenciais ou meios para garantir melhoras em suas qualidades de vida.
Ou seja, não havia nenhum direcionamento governamental para que o estado brasileiro fosse norteador de uma política de promoção do bem estar social.
É nesse contexto que as instituições religiosas iniciam suas atividades: preenchendo lacunas do estado brasileiro.
É importante mencionar que as igrejas, embora cercadas de polêmicas e disputas de narrativas, permanecem realizando um importante trabalho no terceiro setor no Brasil com populações em situação de vulnerabilidade social.
Mudança no perfil das ONGs no Brasil
Ao longo do século XIX e XX, o perfil das ONGs começou a mudar com o surgimento de novas organizações que atuavam em áreas como educação, meio ambiente, direitos humanos e saúde.
Aumentou-se o leque de serviços e propostas de atuação das organizações do terceiro setor.
Neste período, as ONGs entendiam que deveriam influenciar na formação de políticas públicas que atendessem os anseios e necessidades das populações mais pobres do Brasil.
Elas entendiam que parte de seu papel era acelerar as mudanças sociais que desejavam ver, exercendo pressão sobre o governo brasileiro para tratar de temas relevantes para a população.
Nesse contexto, podemos citar organizações que realizaram importantes contribuições para o terceiro setor brasileiro estimulando a formação de políticas públicas através das suas atuações. São elas:
- Instituto do Estudos Socioeconômicos (INESC): Há 42 anos atua politicamente junto a organizações parceiras da sociedade civil e movimentos sociais para ter voz nos espaços nacionais e internacionais de discussão de políticas públicas e direitos humanos, sempre de olho no orçamento público.
- Anistia Internacional Brasil: Fundada em 1961, a Anistia Internacional Brasil tem como objetivo promover a mudança de políticas e práticas que violam os direitos humanos, através de campanhas, pesquisas e ações judiciais.
- Conectas: A organização atua para promover a igualdade de direitos através de uma extensa rede de organizações parceiras localizadas no Brasil e no mundo.
É importante lembrar que existem diversas organizações espalhadas no Brasil, em diferentes períodos históricos, que realizaram contribuições relevantes para a história do terceiro setor no Brasil.
A lista acima é apenas uma seleção de ONGs que acreditamos que você deve conhecer e acompanhar.
As ONGs durante a ditadura militar no Brasil
Devido a violência e autoritarismo da ditadura militar no Brasil, nos anos 1970 e 1980 muitas organizações que lutavam por direitos humanos e pela redemocratização surgiram no pais como forma de resposta ao regime militar.
Nesse período, a Anistia Internacional realizou um trabalho importante de proteção jurídica aos cidadãos que foram submetidos a torturas e tratamentos violentos por parte de agentes do Estado brasileiro. A ditadura militar no Brasil temia o escrutínio internacional e a pressão exercida por organizações como a Anistia Internacional.
Um ponto de curiosidade sobre o terceiro setor no Brasil durante a ditadura militar é que muitas organizações foram fundadas por pessoas que foram presas e torturadas por militares.
Essas pessoas passaram por experiências traumáticas, mas decidiram usar suas próprias lutas para ajudar outras pessoas e promover mudanças positivas na sociedade. Alguns exemplos de ONGs criadas por pessoas que sofreram durante a ditadura incluem o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fundado por João Pedro Stédile, que foi preso e torturado durante a ditadura
Financiamento das ONGs no Brasil
As fontes de financiamento das ONGs no Brasil sofreram importantes mudanças ao longo dos anos.
No início, quando grande parte das organizações eram de cunho religioso, essas instituições sobreviviam através de doações da própria igreja católica e de doações de pessoas que seguiam o catolicismo. Portanto, os valores recebidos vinham, em sua maioria, de países europeus que tinham uma forte base de seguidores católicos.
Ao longo dos anos e com o entendimento de que o Estado brasileiro deveria ser o principal promotor do bem estar social da população, o estado brasileiro criou mecanismos e possibilidades para direcionar verbas para organizações do terceiro setor.
A formação de parcerias e convênios em diversas esferas de governo (municipal, estadual e federal) tornou-se uma prática comum e muitas ONGs se adaptaram para estarem aptas para receber esses recursos.
Nesse mesmo movimento, recursos internacionais começaram a ser mais facilmente acessados por organizações do terceiro setor. A disponibilidade de recursos internacionais foi possibilitada por dois tópicos relevantes:
- a formação e consolidação de parcerias com entes bilaterais pela diplomacia brasileira, que possibilitou que o governo brasileiro criasse parcerias de fomento com embaixadas de países estrangeiros no brasil. Ou seja, paises europeus e norte-americanos realizavam o destino de valores financeiros para projetos sociais brasileiros através de suas embaixadas.
- o entendimento de que o Brasil era um país emergente, com diversas mazelas sociais e que necessitava de ajudar externa para superar problemas como a fome, o acesso a educação e a saúde pública de qualidade.
Esses dois pontos foram fundamentais para que governos estrangeiros, organizações internacionais de direitos humanos e organizações multilaterais, como a ONU entendessem que o envio de recursos para o Brasil cumpria uma agenda de promoção da paz, desenvolvimento econômico, preservação do meio ambiente e redução de problemas de saúde pública a nível global.
Outro importante marco no financiamento das ONGs no Brasil foi a criação de Lei Rouanet.
A Lei Rouanet foi criada em 1991, no governo Fernando Mello de Color, pelo então secretário de cultura Sergio Paul Rouanet.
A lei estabeleceu que empresas que recolhiam impostos federais (IRPJ) poderiam direcionar parte desses valores (4% do lucro de empresas do Lucro Real) para o financiamento de projetos socioculturais em todo o terreno brasileiro. Em troca, os projetos sociais deveriam expor as marcas das empresas patrocinadoras nos materiais de comunicação da ONG.
Nas palavras de Alan Maia, fundador da Agência do Bem, uma ONG localizada no Rio de Janeiro:
“Possibilidades reais de mudança surgem quando projetos, por menores que sejam, recebem suporte para serem desenvolvidos. No atual cenário de desigualdade social no Brasil, a falta de investimentos em Educação, Saúde, Esporte e Cultura perpetua o ciclo histórico de vulnerabilidade social da população, favorecendo o avanço da miséria, da fome, do desemprego e da violência.
Por isso, o fortalecimento de mecanismos de apoio financeiro a projetos socioculturais, como a Lei Rouanet, é de suma importância para a promoção da justiça social e para o desenvolvimento do país.”
Após o surgimento da Lei Rouanet, muitas outras surgiram utilizando a mesma lógica, mas alterando o tipo de imposto que a empresa pode destinar.
Por exemplo, no Rio de Janeiro empresas que recolhem ISS estão aptas a enviarem até 20% dos valores para apoiar projetos socioculturais. O Imposto Sobre Serviço é um tributo municipal recolhido por empresas que trabalham na área de serviços.
Outro imposto que pode ser destinado para projetos sociais é o ICMS, que é um imposto estadual e é recolhido por empresas na circulação de mercadorias e serviços vendidos.
Portanto, a consolidação da Lei Rouanet e de outros mecanismos de financiamento à cultura foram fundamentais para terceiro setor no Brasil, permitindo que organizações sociais possam viabilizar seus projetos e impactar positivamente milhões de vidas em todo o Brasil.
Dificuldades das ONGs no Brasil
Embora tenha havido um importante avanço dos mecanismos de financiamento das ONGs no Brasil, as formas de acessar esses recursos ainda é cercado de muita burocracia.
Portanto, ONGs menores e menos estruturadas tem muita dificuldade de, por exemplo, cadastrar seu projeto social no SALIC – plataforma onde acontece a aprovação de projetos para captação pela Lei Rouanet – e dar seguimento a todo o rito burocrático e legal envolvidos no processo.
Essa dificuldade acaba sendo um ponto limitador para que muitas organizações possam se estruturar financeiramente e tecnicamente para “dar o próximo passo” e continuar impactando vidas.
Portanto, a dificuldade de acesso a recursos financeiros é o principal desafios das organizações do terceiro setor no Brasil.
Outro entraves para o desenvolvimento das ONGs no Brasil são:
- Falta de estrutura organizacional;
- Falta de profissionalização de corpos técnicos da organização;
- Desafios burocráticos.
Crescimento no número de ONGs
De acordo com dados do Ministério da Cidadania, o número de organizações não governamentais no Brasil aumentou cerca de 100 mil em 2002 para mais de 500 mil em 2018.
Isso mostra o papel cada vez mais importante dessas organizações na sociedade brasileira, seja na promoção de direitos, no combate a problemas sociais ou na defesa do meio ambiente.
Uma sociedade com mais organizações da sociedade civil é mais forte, justa, igualitária e promotora da democracia.
O terceiro setor no Brasil tem muitos desafios e oportunidades pela frente. Cabe a nós, profissionais da área, atuar para aprimorar o desenvolvimento das ONGs no pais.